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Errar é humano. Quem nunca ouviu essa clássica frase? O erro nos coloca em uma posição de transformação, de mudança. É necessário mudar para evoluir. É necessário extrair dos erros, um aprendizado. Por outro lado, ao acumular nossas falhas, sem buscar corrigi-las, nos tornamos uma pilha disforme de peças sem sentido de existência. Peças que não se encaixam e que não se resolvem, que acabam por atrapalhar uma construção por completo. Por isso, é preciso errar, mas aprender com o erro. Existe um jogo digital que consegue, de forma única, simples e didática, traduzir todo o conceito de erros acumulados e suas consequências. Tetris é como a vida: deixe seus erros se acumularem e você entrará em colapso e desespero.

Tetris é um dos maiores clássicos da história dos jogos digitais, pedra fundamental de todo um estilo: os puzzles. Projetado e desenvolvido por Alexey Pajitnov, programador no Centro de Computação da Academia Russa de Ciências, ainda na antiga União Soviética, Tetris foi concebido em um computador Electronika 60, com incríveis 8KB de memória e cuja tela formava as peças com caracteres baseados em texto. Pajitnov, que estudava e pesquisava sobre inteligência artificial e reconhecimento de linguagem, desenvolveu a proposta como teste de desempenho dos computadores da época.

Pajitinov desenhou o protótipo de Tetris baseado em um quebra-cabeças de sua infância, de origem grega, chamado Pentominós. É um jogo de encaixes, onde é necessário posicionar diversas peças de desenho geométrico formadas por cinco quadrados, arranjados em formatos diferentes, em uma matriz fechada. Para economizar os recursos já bastante limitados do computador, Pajitinov precisou reduziu o número de quadrados que compunham as peças, de cinco para quatro, o que também reduziu a quantidade de peças desenhadas de doze para sete; e adaptou a idéia em uma jogabilidade relativamente rudimentar e despretensiosa, mas criativa e engenhosa: o jogo disponibiliza randomicamente peças (ou tetraminós) que descem verticalmente na tela para que o jogador rotacione e posicione-as para montar linhas horizontais. Ao compor uma linha completa, esta desaparece e os pontos são computados; e quanto mais pontos, mais rápido o jogo se torna, aumentando o desafio de modo constante e incremental. É um gameplay genialmente simples, divertido e dinâmico, e que ao mesmo tempo estimula o raciocínio rápido, analítico e espacial. Inicialmente, o projeto tinha como nome Genetic Enginnering, no entanto, Pajitinov resolveu mudar para Tetris, uma junção dos termos tetraminós com tênis, seu esporte predileto. O conceito original de Tetris deu início a um processo infinito clones e de cópias. No entanto, a Tetris Company, atual detentora da marca, tem regras bem rígidas para o uso de um jogo com a marca Tetris, desde a parte visual aos clássicos conceitos de jogabilidade.

A simplicidade da jogabilidade fez com que a Nintendo apostasse em Tetris como parte de um de seus projetos mais inovadores e ambiciosos: o Game Boy. A união da portabilidade do console e da mecânica simples do jogo serviu como um dos marcos de uma segmentação bilionária da indústria dos jogos digitais: os puzzles casuais. Se o mercado de games para smartphones é um dos mais vorazes da indústria, é graças a ousadia da Nintendo em apostar em Tetris como jogo título do Game Boy, o que levou a popularização do conceito de jogue onde quiser. Fenômenos como Candy Crush, Farm Heroes e Bejewled guardam todas as particularidades mais importantes de Tetris: jogabilidade fácil e dinâmica, gameplay rápido e praticamente infinito e a portabilidade da plataforma. Com uma estimativa de 500 milhões de cópias distribuídas em cerca de 70 plataformas diferentes, Tetris é um sucesso descomunal, sendo também reconhecido pelo Guiness World Book como o jogo mais portado da história dos jogos digitais. Tetris também foi objeto de diversas disputas judiciais em relação à propriedade intelectual e direitos de publicação, desde a sua popularização inicial nos computadores na União Soviética e nos Estados Unidos da América ao lançamento do jogo para o Game Boy, que envolveu a Nintendo, a Atari, e até mesmo Mikhail Gorbachev, líder da União Soviética a época. 

Da popularização da Korobeiniki, composição folk russa do século 19 popularizada pelo jogo, à sua aplicação como tema de pesquisa médica em atividade cerebral, sem esquecer a formatação clássica de cada uma das sete peças originais, Tetris quebrou as barreiras da União Soviética, se tornando uma das maiores revoluções dos jogos digitais. Poucos produtos podem demandar para o si o título de obras icônicas; de ser a base fundamental de todo um gênero. Tetris é uma destas raras exceções, sendo alicerce de praticamente todos os puzzles digitais que vieram depois dele, estabelecendo, praticamente sozinho, parâmetros de jogabilidade que viriam a ser a base de um novo mercado multibilionário. Muito além de sua relevância enquanto jogo digital, Tetris é um fenômeno, uma representação artística e interativa da construção do homem e de seus próprios erros, onde cada falha acumulada, além de incomodar, atrapalha a evolução construtiva do todo. Novamente, Tetris é como a vida: é impossível vencer, mas é preciso fazer o melhor possível.